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Altas mudanças na alta costura: a nova era do luxo pós pandemia



O ano de 2020 entrará para a história como um dos mais desafiadores dos últimos tempos. Isso pois, com o avanço da crise humanitária do novo Coronavírus, houve um colapso na economia em escala global. Portanto, assim como muitos outros setores, a indústria da moda encontra-se no meio de adversidades sem precedentes, como o declínio das vendas, a mudança de comportamento do consumidor e a interrupção das cadeias logísticas. Nesse contexto, o segmento de luxo desse mercado - um dos mais tradicionais e consolidados - também vem sofrendo durante esse período de instabilidade, com queda no número de vendas e na receita, esta última registrando uma baixa de 6,15 bilhões de euros em relação ao ano de 2019. Com tantos impactos negativos, o setor viu-se em um cenário de incerteza, mas que também foi capaz de criar oportunidades que levaram até as marcas mais tradicionais a se reinventarem e a se desenvolverem de novas maneiras para se adaptarem ao “novo normal”.


Das Maisons às Home pages


No início de 2020, a indústria do luxo já estava próxima a um ponto de virada. Os consumidores estavam cada vez mais optando por investir em experiências imateriais, como viagens, festas e roteiros gastronômicos, em detrimento de roupas, bolsas e jóias. Essa mudança de mentalidade fez com que muitos preferissem economizar nos gastos com vestimentas, impulsionando o crescimento dos mercados de revenda, como o aplicativo Depop - um brechó online que teve sua base de usuários ativos mensais duplicada entre março e maio de 2020. Tal transformação incentivou as marcas de luxo a destinar maior atenção ao fator hospitalidade, transformando o ato de ir à loja em uma experiência por si só, além de investir em outras saídas como a criação de cadeias de hotéis de grife, estratégia já adotada pela Versace, por exemplo. Porém, quando a pandemia atingiu o mundo no início de 2020, esse ponto de virada ganhou um novo significado, uma vez que a crise global da Covid-19 limitou a mobilidade de todos os consumidores por conta dos lockdowns e outras restrições de locomoção.


Nesse contexto, desde as marcas mais novas até as extremamente consolidadas, as empresas de luxo começaram a buscar outras maneiras de agir para superar a queda repentina nas vendas. Dessa forma, uma das saídas encontradas foi investir na reestruturação de sites, desenvolvendo canais de venda apesar da dificuldade de realizar transações de dinheiro tão altas de maneira virtual. Assim, anos de inovação e mudança online aconteceram em questão de meses e as lojas passaram a focar na geração de receita por meio do único canal possível: o e-commerce. Apesar de estar motivado a fazer tudo o que estava dentro de seus alcances para recuperar a receita por meio do comércio online, o segmento de luxo teve suas vendas encolhidas em 30% entre os meses de fevereiro e junho de 2020, quando comparados com o mesmo período em 2019, de acordo com a consultoria McKinsey.





Mesmo com os resultados em queda, os executivos de moda compreendem que a demanda pelo digital permitiu maior inovação, eficiência e novas formas de potencializar os negócios, como o marketing por meio de digital influencers. A categoria de influenciadores digitais, apesar de nova, mostra-se extremamente promissora e, de acordo com um estudo da plataforma MuseFind, 92% dos consumidores confiam mais nas recomendações dessas novas celebridades do que nas tradicionais, como atores e musicistas. Além disso, é um fato que a mudança tecnológica é permanente e irá continuar a criar oportunidades para construir modelos operacionais mais inteligentes e diferenciados, voltando-se ao desenvolvimento de uma experiência mais personalizada para o cliente, como a pioneira Carolina Herrera, que, em 2018, lançou uma plataforma de compras online elaborando uma experiência omnichannel¹, integrando as lojas físicas ao universo virtual. Ademais, a crise do varejo enfatizou a necessidade de mudanças para formas mais responsáveis e ecologicamente sustentáveis de trabalhar em todas as áreas da cadeia de valor. Um exemplo é a holding² francesa Kering, que possui um Departamento de Sustentabilidade responsável por instaurar mudanças como a erradicação do uso do PVC de 99,8% dos seus produtos e criar uma biblioteca têxtil apenas com tecidos de fontes sustentáveis. Esse comprometimento ético e sustentável reflete o desejo do consumidor, já que, em uma pesquisa feita pelo site Hotwire, 47% dos usuários da internet ao redor do mundo pararam de consumir marcas que não seguiam seus valores pessoais, além de estarem dispostos a pagar mais em produtos que não corrompem esses valores durante o processo produtivo. Com cada vez mais players da indústria da moda aderindo a essa diretriz, fica comprovado que essa transformação é um impacto positivo de longo prazo para empresas, trabalhadores, clientes e, principalmente, o planeta.


Tendo isso em vista, assumir o e-commerce como a maior oportunidade para essa indústria também implica em reavaliar a atuação e a presença da alta moda ao redor do mundo. As marcas de luxo, por exemplo, contam com os gastos dos consumidores chineses no exterior há muito tempo, mas, recentemente, além das restrições de locomoção, o governo chinês impôs mais limitações aos vendedores daigou³, diminuindo o fluxo de consumo internacional. Com isso, para a potência asiática tornou-se mais importante conquistar o cliente local e trazê-lo para as lojas já existentes no país, oferecendo exclusividades para a região e apostando em produtos atrativos para a crescente classe média. Dessa forma, mesmo quando os consumidores voltarem a viajar, a cultura do consumo local deverá permanecer em voga.



De acordo com Robert Burke, consultor de varejo, a recuperação ocorrerá onde as empresas e varejistas não dependem fortemente de turistas. Pensando nos passos seguintes, significa que é necessário adotar compradores locais em outras regiões. Esse é o caso da própria Europa, que é casa das maiores maisons do mundo, mas é extremamente dependente do consumo provindo do turismo, correspondendo a aproximadamente 55% do número de vendas do mercado de luxo no continente, de acordo com a revista Reuters. Ademais, os próximos anos também forçarão as marcas a reavaliar suas estratégias em regiões duramente atingidas pela pandemia, como o próprio Brasil e a Índia - além de mais à frente iniciar incursões no continente africano - já que, apesar das perdas ocasionadas pela crise global, há um aumento de clientela constante nos últimos anos.


Luxo é viver bem


O cenário inicial de 2020 foi conturbado para as grandes marcas de luxo, que se viram numa situação de mudança emergencial. Contudo, quando a pandemia foi decretada, viajar e visitar lojas se tornou impossível para quase todos e , por estarem incapacitados de investir em vivências, o foco voltou novamente aos objetos a partir do segundo trimestre de 2020. Dessa forma, bolsas, sapatos e jóias de luxo tiveram mais vendas que o esperado em sua maioria, como a marca Hermés que, mesmo que o consumo no setor da moda tenha caído em relação aos níveis pré-pandêmicos, conseguiu aumentar suas vendas em 7% no ano de 2020.


Devido a essas mudanças, no terceiro trimestre de 2020, certas áreas da indústria do luxo estavam se recuperando. Na LVMH, holding francesa de artigos de luxo, a divisão de moda - que inclui grandes marcas como Louis Vuitton, Dior e Fendi - teve um aumento de 12% na receita do terceiro trimestre de 2020, mesmo com as vendas das outras divisões da empresa diminuindo 7%. Já na Kering, responsável por marcas como Gucci, Yves Saint Laurent, Balenciaga, entre outras, apesar das vendas gerais caírem pouco mais de 1% em relação a 2019, o resultado superou as estimativas dos analistas positivamente em 8 pontos percentuais.



Entretanto, seria equivocado pensar que a cultura regrediu para os tempos onde as “it bags"⁵ estavam em alta, além de ser improvável que os consumidores continuem priorizando artigos materiais a longo prazo. Com a chegada da vacina, é de se esperar que setores voltados para experiências presenciais, como o de turismo, cresçam novamente e, com isso, as marcas devem estar preparadas para outra mudança repentina de volta às tendências de consumo pré-pandemia. No entanto, isso não significa que o investimento no mercado de e-commerce deva ser reduzido, considerando que ainda há um elevado potencial de crescimento.


Diante da priorização à experiências imateriais, há a preferência dos consumidores mais jovens pelo conforto. Essa tendência pode ser visualizada por meio do aumento de peças casuais nas passarelas e pelo maior destaque às coleções ready-to-wear⁶, um dos principais legados do movimento hype, encabeçado pela ousada Off-White de Virgil Abloh. A maioria dos especialistas acredita que o mercado ready-to-wear de ponta, em especial o masculino, continuará a expandir nos próximos anos, tornando-se um dos principais drivers da indústria.



A orientadora de marcas de luxo e varejistas Nelli Kim acredita que há um potencial maior de inovação nessa área do comércio, ressaltando o lançamento colaborativo do Air Jordan Dior como um momento emocionante da moda que também traz a tona a tendência de peças unissex. Pier Paolo Righi, CEO da Karl Lagerfeld, afirma que a chamada “Geração Z”⁷ é o público alvo dos itens unissex, além de ressaltar que as mulheres em especial demonstram muito interesse nessa área da moda. Com as atuais discussões éticas, principalmente as de gênero, cada vez mais a sociedade está livre para se expressar da maneira que quiser, seja por meio de suas palavras ou até mesmo de suas roupas.


Desfilando por 2021


Olhando para o futuro, como a demanda não deve voltar aos patamares de 2019, de acordo com a McKinsey e Co, em 2021 as empresas de moda devem pautar suas mudanças seguindo o comportamento do consumidor, por meio das ofertas de seus produtos e apostas nas regiões com maior número de potenciais clientes. Os planos estratégicos devem analisar pontos geográficos, categorias e segmentos de valor de melhor desempenho, com ideias traçadas para que as empresas possam responder às oportunidades quando e onde elas surgirem. Já nos investimentos em marketing, novas lojas e contratação de pessoal serão melhores direcionados para onde a demanda estiver aumentando mais rápido. Ademais, as campanhas de marketing de produtos devem focar em categorias como moda casual e loungewear⁸, além de terem maior destaque principalmente no comércio online, já que são os segmentos de roupa mais consumidos atualmente.


No âmbito das marcas de roupas formais, será possível visualizar uma mudança em direção a uma proporção maior de itens utilizáveis no dia a dia, mantendo a qualidade tradicional da fabricação de peças de luxo. Ainda diante de todos esses avanços, o principal desafio em um ambiente de baixa demanda permanece o mesmo: agir rapidamente de acordo com as mudanças da sociedade sem perder a essência e identidade da marca. Dessa maneira, não é possível dizer que, para o setor, o ano de 2021 será tão luxuoso quanto os seus produtos, mas sim que a indústria tem uma passarela longa e sinuosa a ser enfrentada na sua frente.


Glossário


  1. Omnichannel: É uma tendência do varejo que se baseia na convergência de todos os canais utilizados por uma empresa. Ele integra lojas físicas, virtuais e compradores.

  2. Holding: Uma forma de sociedade criada com o objetivo de administrar um grupo de empresas

  3. Daigou: Personal shoppers chineses que fazem compras no exterior para seus clientes

  4. Maisons: Nome pelo qual se deve referir às etiquetas de alta-costura.

  5. It Bags: Bolsas de grife que se tornaram um best-seller popular.

  6. Ready-to-Wear: Peças produzidas em larga escala que possuem um padrão de medidas. São as roupas que usamos no dia a dia.

  7. Geração Z: Geração de pessoas nascidas entre o final da primeira metade da década de 1990 até o início de 2010 2010.

  8. Loungewear: Peças de roupa confortáveis, casuais e versáteis que podem transitar entre um ambiente descontraído e profissional.


Bibliografia



BOF - MCKINSEY. The State of Fashion 2021. Disponível em: http://cdn.businessoffashion.com/reports/The_State_of_Fashion_2021.pdf Acesso em: 23 jan. 2021.


BUSINESS OF FASHION. ‘Unstoppable’ Luxury Stocks Remind Some Investors of US Tech. Disponível em: https://www.businessoffashion.com/news/luxury/unstoppable-luxury-stocks-remind-some-investors-of-us-tech Acesso em: 23 jan. 2021.


CBNC. Coronavirus and luxury retail: Shopping for used Hermes, Cartier in Covid era. Disponível em: https://www.cnbc.com/2020/09/19/coronavirus-how-the-pandemic-has-impacted-luxury-retail.html Acesso em: 23 jan. 2021.


FINANCIAL TIMES. Future of luxury: A look at the year ahead. Disponível em: https://www.ft.com/content/d3dd2ba8-6df0-4dcb-bd55-25ec246bdbc0 Acesso em: 23 jan. 2021.


FORBES. The Future Of Luxury, Post-Coronavirus. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/richardkestenbaum/2020/11/02/the-future-of-luxury-post-coronavirus/?sh=41704ab133ef Acesso em: 23 jan. 2021.



McKinsey. The State of Fashion 2021: In search of promise in perilous times. Disponível em:https://www.mckinsey.com/industries/retail/our-insights/state-of-fashion Acesso em: 30 jan. 2021.

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