Promessa do dinheiro rápido e fácil. Esse é sonho de muitos, que fica ainda mais atrativo quando envolve paixões ou interesses cotidianos, como o esporte. Esse é o mercado das apostas esportivas, popular desde 1.000 a.C, quando surgiram os primeiros estabelecimentos voltados para esse ramo na China, nos quais apostava-se em jogos de dominó e em brigas de animais. Desde então, com o avanço de novas tecnologias e com a difusão de modalidades esportivas ao redor do mundo, hoje uma pessoa consegue, por meio de plataformas onlines, apostar em praticamente qualquer esporte em qualquer lugar do mundo em tempo real.
No Brasil, não foi diferente. Um mercado que decretou sua entrada apenas em 2018, ainda que com legislações e regulações pendentes, mas que já conseguiu faturar bilhões, demonstrando o anseio dos brasileiros diante dessa possibilidade de se apostar - o que contribuiu para um boom no número de casas de apostas. No entanto, antes de entender sobre o cenário atual, é necessário contextualizar como o mercado de jogos de azar foi introduzido no país.
O INÍCIO DE TUDO
Os jogos de azar estão presentes no Brasil desde a chegada da Família Real, que trouxe diversos hábitos e costumes europeus para o país, como a jogatina - hábito ou vício de jogo, principalmente o de azar. A partir desse momento, os jogos sofreram com proibições e liberações conforme diferentes governos passavam, levando à necessidade de constante adaptação ao volátil contexto social durante os períodos.
Os primeiros atos de repressão que os jogos de azar sofreram foram ainda durante o período do Império brasileiro, quando o governo da época tinha o intuito de diminuir os locais de prática de jogatina, mas não acabar com ela de fato, de forma a manter um controle maior sobre a arrecadação com a prática. Apesar disso, em 1917, com a consolidação da República, essa proibição se estendeu, de forma que foi aprovada uma lei que cortava qualquer prática de jogos de azar em território nacional.
Porém, esse banimento dos jogos de azar não persistiu por tanto tempo, já que em 1934 foram legalizados pelo presidente Getúlio Vargas, com o intuito de movimentar a economia da época, o que deu origem aos grandes hotéis-cassinos, como o famoso Cassino da Urca, atualmente sede do Instituto Europeu de Design. Esse período ficou marcado como o auge dos jogos de azar no Brasil, contendo mais de 60 cassinos no território nacional,os quais eram frequentados pelas classes mais altas da sociedade e recebiam apresentações de grandes artistas mundiais da época. Contudo, apenas 12 anos depois, em 1946, o então presidente Eurico Gaspar Dutra, cedendo às pressões sociais da igreja, assinou o Decreto-Lei n° 9.215, que proibiu, novamente, todos os jogos de azar em território nacional. Estima-se que tal decreto extinguiu diretamente 40 mil empregos, a maioria deles relativos aos hotéis-cassinos.
Embora o decreto de lei persista até hoje, na década de 60, o Estado brasileiro, com o intuito de aumentar a arrecadação por meio de impostos, começou a explorar o mercado de jogos de azar, monopolizando o setor. Isso se deu, principalmente, por meio de modalidades lotéricas, como a Loteca, que surgiu em 1970 e foi um marco para o início do mercado de apostas esportivas no país, todas sob controle governamental. O novo modelo de aposta conseguiu arrecadar, em seu primeiro ano, cerca de 100 milhões de cruzeiros em mais de 10 milhões de apostas vendidas em diferentes modalidades, desde acertar o vencedor de um jogo, até o seu placar. A Loteca foi o primeiro grande indício do potencial que tal setor poderia ter dentro do território nacional, tornando-se um grande marco para a loteria esportiva no país.
Em 2002, outro passo no ramo de apostas esportivas foi dado, por meio da criação da Lotogol, na qual o apostador teria que acertar o placar de 5 jogos de futebol, e da reformulação da Loteca, que passou a ser formada por 14 jogos, nos quais os apostadores devem acertar o vencedor de, no mínimo, 12 deles para ter acesso a premiação, e ser controlada pela Caixa Econômica Federal. Nesse mesmo ano, foram distribuídas premiações de quase R$ 16 milhões, sendo 88,3% desse valor vindo da Loteca, que, ao longo dos anos seguintes, apresentou-se como a principal fonte de arrecadação envolvendo apostas esportivas, mostrando uma maior identificação do público com a modalidade implementada em 1970. O auge da loteria esportiva sob comando do Governo Federal ocorreu em 2015, neste ano cerca de R$ 120 milhões foram distribuídos entre premiação, seguridade social, fundos nacionais, despesas de custeios, Ministério do Esporte e entidades esportivas.
Contudo, a partir de 2015, as arrecadações começaram a diminuir de forma expressiva, devido à baixa procura, o que causou a extinção da Lotogol em 2019. Esse acontecimento, em meio a um mercado que demonstrava estar cada vez mais aquecido com o passar dos anos, tem uma razão: a permissão do acesso de usuários brasileiros em sites de apostas esportivas.
A NOVIDADE SEMPRE ATRAI
No final do ano de 2018, o então presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.765/18, que autoriza o funcionamento de sites de apostas, desde que sua operação seja realizada no exterior, tirando a ilegalidade da operação e iniciando o processo de regulamentação das apostas esportivas no Brasil. Com isso, a população residente no Brasil começou a ter acesso às casas esportivas online, já fortemente presentes e renomadas em diversos outros países.
Após o sancionamento da Lei, diversas casas de apostas começaram a surgir, mostrando-se capazes de atrair apostadores de todo o país. O número de sites destinados ao público brasileiro teve um forte crescimento em seus primeiros dois anos, atingindo, em 2021, mais de 500 sites no total, apesar de ser difícil calcular o valor exato devido à facilidade de surgimento de novos players no ramo, considerando que o mercado ainda não é regulado por completo.
Considerando esse novo cenário a partir de 2018, muitas casas de aposta vêm buscando uma expansão de seu mercado para o Brasil, visando aproveitar o alto potencial do país - com uma população extremamente grande - e a onda recente do surgimento de casas voltadas para o público brasileiro. Para isso, a estratégia adotada foi se utilizar do futebol, principal esporte do país e que representa 70% do volume movimentado pelo mercado de apostas brasileiro, como a principal porta de entrada para novos apostadores. Dessa forma, assim como realizado na Inglaterra - país pioneiro no ramo - no qual a cultura desse mercado é amplamente difundida, o esporte se mostrou o foco de investimento em propagandas por parte das casas de apostas, principalmente em times e jogos de divisões de elite do país.
Assim, apenas em seu primeiro ano de legalidade, as casas de apostas investiram firme no futebol, chegando a ter 8 marcas diferentes estampadas na camisa de 13 times da série A do Campeonato Brasileiro em 2019, fora os investimentos com patrocínios em campeonatos e em demais times de divisões inferiores do país. Em 2020, o foco de investimento no esporte ficou ainda mais evidente: 11 empresas do ramo patrocinavam 17 dos 20 times participantes da primeira divisão do Brasil, sendo 7 desses patrocínios masters (principal patrocinador do clube que ocupa a posição frontal de destaque na camisa).
Apesar da representatividade expressiva, marcando presença em cerca de 85% dos times da elite do país, o segmento de apostas ocupou, em 2020, somente o 5º lugar no ranking de segmentos de mercado patrocinando times do Brasileirão. No entanto, um cenário distinto do constatado no futebol brasileiro pode ser observado em uma escala maior. De acordo com uma pesquisa realizada com 529 clubes espalhados pelos 6 continentes, o segmento de apostas ocupa o 1º lugar, registrando 74 parcerias consideradas master em 20 diferentes países. Vale ressaltar que, em alguns países, como no Japão, as apostas onlines ainda são proibidas, mostrando-se um grande impeditivo para resultados ainda mais expressivos desse setor no esporte mais querido do mundo.
Dessa forma, é esperada uma movimentação ainda maior por parte das casas de apostas no esporte e, assim, maiores movimentações anuais desse mercado. Em termos comparativos, esse segmento movimenta quantias muito superiores àquelas vistas pela Loteria Federal: em seu primeiro ano de funcionamento, foi capaz de movimentar R$ 4,3 bilhões, mais de 3 vezes o valor arrecadado pelos jogos federais em 18 anos de operação. Já no segundo ano, estima-se que o mercado de apostas movimentou aproximadamente R$ 9 bilhões, mostrando o quão expressivo pode se tornar no futuro.
FUTURO DO MERCADO DE APOSTAS ESPORTIVAS
Embora o tamanho gigantesco desse mercado, apostar em território brasileiro continua sendo ilegal, de forma que as únicas apostas completamente legalizadas no país são as realizadas na Loteria Federal e algumas referentes a esportes com cavalos. Dessa forma, embora tenha ocorrido um grande avanço no ramo, a proibição da instalação de sedes das empresas no país continua evitando ganhos maiores para a economia brasileira. Além de não gerar empregos diretos no país, não há a possibilidade de arrecadação de impostos com o mercado, devido a falta de um CNPJ, já que as empresas de apostas estão situadas em diversos paraísos fiscais espalhados pelo mundo, como Malta e Gibraltar e até mesmo locais como o Reino Unido.
A regulamentação desse mercado está prevista para 2022, já que a mesma foi incluída no Plano Nacional de Desestatização, com o objetivo de privatizar a área. Estima-se, por parte do governo, que, com ela, há um potencial de arrecadar aproximadamente R$ 74 bilhões, o que representa cerca de 1% do PIB brasileiro de 2020, gerando R$ 22 bilhões de receita aos cofres públicos. Porém, essa regulamentação ainda gera discussões entre os apostadores e stakeholders do ramo de apostas, já que, a partir da mesma, uma série de regras seriam impostas. A principal preocupação seria com relação à tributação excessiva do mercado somada a algumas obrigatoriedades que reduziriam a liquidez das empresas de apostas, como a necessidade de fundos de reservas, o que dificultaria atingir o principal objetivo de atrair players para o mercado legal, sem contar com a possível redução na competição do ramo com a diminuição no número de casas operando, devido às novas regras que deverão ser seguidas. Se o mercado realmente vai crescer ou não com as novas regulamentações, não se pode ter certeza. Mas o que se pode dizer até agora é que as apostas estão voltando ao cotidiano dos brasileiros muito provavelmente para ficar, e podem ser uma alternativa de receita para um país como o Brasil, que busca o seu caminho para voltar a crescer.
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