top of page

O Arcabouço Fiscal: como essa medida impacta a economia do Brasil?



Introdução


Independente do viés político, todo e qualquer governo precisa gastar e, para isso, são necessários financiamentos, que podem ser obtidos por meio de dívida pública - como o Tesouro Direto¹ - ou por meio de tributação. Nessa conjuntura, o Brasil é, historicamente, um país que sempre contraiu muitas dívidas públicas, o que ocasionou inúmeras discussões e polêmicas dentro do cenário político. Diversas propostas já foram elaboradas de modo a conter os gastos, mas nenhuma se mostrou 100% efetiva. Por conta disso, recentemente, foi elaborado o chamado arcabouço fiscal, com o objetivo de resolver essa questão financeira.



História


As políticas fiscais buscam , justamente, a melhor maneira para realizar uma gestão governamental de forma sustentável, ou seja, sem sair do equilíbrio entre despesas e arrecadação. Nesse sentido, no final da década de 90 - um pouco depois do período de hiperinflação brasileira - foi elaborada a lei que viria a mudar o modo de gestão dos governos seguintes, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A legislação, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em 4 de maio de 2000, tornava obrigatória a apresentação detalhada das finanças ao Tribunal de Contas, buscando conferir maior transparência contábil do governo em relação aos seus gastos.


O decreto carregava, ainda, regulações orçamentárias, na medida em que estabelecia limites tanto para as despesas do exercício, quanto para o endividamento. Além disso, também eram previstas punições para os responsáveis pelo seu descumprimento, que giravam em torno de sanções, multas e penalidades na esfera administrativa. Outro ponto positivo da LRF foi a consagração da meta de resultado primário, um regime que estipula que o Brasil deve buscar anualmente o superávit primário em relação ao PIB.




Com o passar dos anos, conforme os superávits primários passaram a atingir valores expressivos, criou-se a ideia de que a situação fiscal estava confortável o suficiente para começar a afrouxar essa política rigorosa, levando ao fenômeno da contabilidade criativa, nome dado a prática de mascarar dados financeiros de uma empresa ou instituição, se valendo do conhecimento de regras contábeis. Dessa forma, a meta do resultado primário passou a ser desmontada por dentro, na medida em que se começou a descontar determinadas despesas da conta. Por exemplo, o programa de aceleração de crescimento (PAC²), com mais de R$500 bilhões de investimento até 2010, passou a não ser mais contabilizado. Assim, chegou-se ao ponto dessas dívidas desconsideradas ultrapassarem os gastos contabilizados dentro da própria meta, o que gerou um déficit primário não percebido anteriormente.






Com esse desmonte da meta de resultado fiscal, a resposta apresentada pelo governo de Michel Temer foi o teto de gastos. Adotada em 2017, a proposta do projeto consiste em limitar os gastos do governo federal para os 20 anos seguintes à sua implementação, tendo como base o orçamento de 2016. Assim, o governo, em teoria, ficaria impedido de modificar ou expandir o orçamento anual, podendo apenas corrigir os valores pela inflação. Isso implica, portanto, que as despesas do governo não teriam crescimento real - crescimento descontando a inflação - até 2037.


Contudo, o que especialistas afirmam é que a ideia pode ter sido radical demais. Mesmo com a intenção de conter os custos, não permitir com que eles cresçam é uma ideia um tanto utópica para o cenário brasileiro, que possui um histórico de gastos excessivos. Dessa forma, é possível analisar como o governo apresentou dificuldade de seguir a proposta, tendo que criar exceções ao limite em metade dos anos que foi usado como regra fiscal.




Regra de gastos do arcabouço fiscal


Com isso, no início de 2023, o Governo Federal, buscando trazer uma política menos rígida, apresentou uma nova proposta chamada arcabouço fiscal, que procura substituir o teto de gastos como a principal política fiscal do país. A proposta apresentada engloba mecanismos de controle de despesas por meio de metas de resultado primário.


De maneira simplificada, a regra determina que os gastos públicos devem crescer de acordo com a arrecadação do governo, assim, quanto mais se arrecada, mais se poderá gastar. Nesse sentido, fixou-se uma taxa de 70% do crescimento da receita, ou seja, na teoria, se o total de ativos acumulados pelo governo for 10% mais alto que no ano anterior, ele poderá subir seus gastos em 70% desse valor, totalizando 7%. Contudo, existe um limite máximo para o crescimento dos gastos que é de 2,5%, assim, utilizando o exemplo anterior, mesmo com aumento de 10% na receita, as despesas poderiam subir somente 2,5%. Além do máximo, existe também o limite mínimo, então, mesmo que o Estado tenha dificuldade de compor receita, o crescimento de gasto não poderá ser inferior a 0,6%. Isso evita gastos excessivos em momentos de maior crescimento econômico, quando as receitas crescem mais aceleradamente, e de paralisação do setor público quando há desaceleração da economia e as receitas caem.


O intervalo do objetivo almejado pela proposta vai funcionar da mesma maneira que hoje acontece com o sistema de meta da inflação: existe o centro da meta e as faixas de tolerâncias tanto para mais quanto para menos. Para 2024, por exemplo, o governo estipulou como meta igualar a receita e a despesa – o que culminaria em um resultado primário de 0% do PIB. Pelo sistema proposto, a meta será considerada cumprida se ficar entre um déficit de 0,25% e um superávit de 0,25%. Se o resultado primário ficar abaixo desse intervalo, as despesas no ano seguinte, que normalmente poderiam crescer até 70% do aumento de receita, poderão crescer somente 50%.


De acordo com a previsão do próprio governo, com a adoção da nova proposta, será possível:


  • Zerar o déficit público da União³ no próximo ano;

  • Alcançar um superávit de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026;

  • Estabilizar a dívida pública da União em 2026 em até 77% do PIB- o que não é um valor baixo se levar em consideração essa porcentagem nos últimos anos. Contudo o governo atual possui uma proposta de atuação mais intervencionista, o que leva a mais gastos.




Críticas ao modelo de arcabouço proposto


O projeto de lei do arcabouço fiscal, mesmo tendo sido, de modo geral, bem recebido pelos políticos e jornalistas, apresenta alguns pontos que vêm sendo muito criticados por essas mesmas pessoas.


O primeiro deles refere-se à quantidade de gastos não contabilizados como despesas para a conta do resultado primário. No total, há 13 categorias de gastos que não precisam responder ao novo marco fiscal proposto. Parte delas já estava presente na regra do teto de gastos, mas outras foram incluídas, que vão desde pagamento de precatórios⁴ até gastos com gestão de recursos hídricos. Isso pode acarretar resultados não compatíveis com a realidade, mesmo problema que o país teve há alguns anos com a contabilidade criativa.


O outro ponto que vem sendo alvo de muitas críticas é a falta de rigidez em relação ao cumprimento de metas. Isso acontece devido ao que os especialistas chamam de “enforcement” (nesse caso a ausência dele) na nova regra fiscal, ou seja, mecanismos que provocam o cumprimento efetivo do que foi determinado. Além disso, pelo que consta no projeto, caso a meta de resultado primário definida pelo próprio estado não seja atingida, não haverá enquadramento em infração. Segundo o texto, será exigido apenas que o presidente da República encaminhe uma mensagem ao Congresso Nacional com as razões para o descumprimento de medidas de correção. Com isso, a partir dessa ausência de responsabilização, abre-se margem para o não cumprimento das metas.


O impacto para a população


Ao contrário do que muitos pensam, a gestão das contas públicas têm relação direta com a vida de toda a população, a qual se dá por meio do controle da inflação. Quando os governos elaboram projetos de infraestrutura ou investem em serviços sociais, ocorre um efeito multiplicador sobre a demanda agregada, o que acaba aumentando a produtividade , bem como a taxa de emprego e os investimentos no mercado. Assim, caso o crescimento da produtividade do país não acompanhe o ritmo dos gastos, observa-se uma elevação de preços, diminuindo o poder de compra das pessoas. Dessa forma, o descontrole fiscal acaba gerando incertezas tanto interna, quanto externamente.


No ambiente interno, os agentes econômicos - desde donos de padarias até acionistas de grandes empresas - acabam se antecipando à alta, e corrigindo seus preços e pressionando salários, o que gera um círculo vicioso de alta inflacionária. Já no ambiente externo, os investidores ficam mais receosos em investir em um país sem controle de suas dívidas públicas. Nessa conjuntura, sem investimento externo, a única maneira de reverter esse quadro é balanceando a relação risco/retorno, a qual se traduz em uma alta taxa de juros, que encarece o crédito e trava o investimento produtivo.


Assim, tornam-se claras as dimensões do impacto que o arcabouço fiscal terá no desenvolvimento do Brasil. No entanto, o que ainda é incerto é se esse projeto trará mais retornos positivos ou negativos para a nação. Será que essa proposta irá contribuir com o crescimento econômico do país?


Glossário:

  1. Tesouro Direto: programa do Tesouro Nacional desenvolvido em parceria com a B3 para a venda de títulos públicos federais para pessoas físicas.

  2. PAC: consiste em um conjunto de medidas destinadas a incentivar o investimento privado, aumentar o investimento público em infraestrutura e remover obstáculos – burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e legislativos – ao crescimento

  3. União: sendo um dos componentes do Estado Federal (República Federativa do Brasil), a União do Governo Federal é uma pessoa jurídica de direito público interno, possuindo competências administrativas e legislativas determinadas constitucionalmente e ainda sendo uma entidade federativa totalmente autônoma em relação aos Estados-membros, aos municípios e ao Distrito Federal.

  4. Precatório: formalizações de requisições de pagamento de determinada quantia por beneficiário, devida pela Fazenda Pública, em face de uma condenação judicial definitiva, ou irrecorrível.



REFERÊNCIAS:


CATTO, Pedro; BOLZANI, Isabela; MARTINS, Raphael, ”Arcabouço Fiscal: Governo Divulga Proposta Completa; Veja o Ponto a Ponto”, G1, 19 Abr. 2023, Disponível em:https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/04/19/arcabouco-fiscal-governo-divulga-proposta-completa-veja-o-ponto-a-ponto.ghtml, Acessado em 8 Mai.2023


DE SÁ, Rachel, “Novo arcabouço fiscal: o que é e como impacta seus investimentos”, Riconnecte, 31 Mar. 2023, Disponível em: https://riconnect.rico.com.vc/analises/novo-arcabouco-fiscal-o-que-e-e-como-impacta-seus-investimentos/?campaignid=316171546&adgroupid=55392294370&feeditemid=&targetid=aud-437331571629:dsa-19959388920&loc_interest_ms=&loc_physical_ms=1001655&matchtype=&network=g&device=c&devicemodel=&ifmobile=&ifmobile=0&ifsearch=1&ifsearch=&ifcontent=0&ifcontent=&creative=340508776292&keyword=&placement=&target=&utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_term=&utm_campaign=GGLE_PESQ_DSA&hsa_tgt=aud-437331571629:dsa-19959388920&hsa_net=adwords&hsa_kw=&hsa_grp=55392294370&hsa_acc=7134496929&hsa_ver=3&hsa_ad=340508776292&hsa_cam=316171546&hsa_mt=&hsa_src=g&gclid=Cj0KCQjwu-KiBhCsARIsAPztUF0L0S1ttjIJ5D76JYWIbvDoCu8lRIYmfyYaL16Vw9V-IeiYF511hUIaApRPEALw_wcB, Acessado em 9 Mai.2023


MORTARI, Marcus. “Arcabouço fiscal: fim de punição e de obrigação de contingenciamentos devem ser pontos menos pacíficos do texto, segundo analistas”, Infomoney, 8 Mai.2023, Disponível em: ttps://www.infomoney.com.br/politica/arcabouco-fiscal-fim-de-punicao-e-desobrigacao-de-contingenciamentos-devem-ser-pontos-menos-pacificos-do-texto-segundo-analistas/, Acessado em 9 Mai. 2023


RODRIGUES, Douglas. “Brasil Tem Maior Superávit Estrutural em 13 Anos, Diz Economia”, Poder 360, 25 Mai. 2022, Disponível em: https://www.poder360.com.br/economia/brasil-tem-melhor-superavit-estrutural-em-13-anos-diz-economia/. Acessado em 8 Mai. 2023.


RODRIGUES, Douglas. “Governo Reduz Gasto Fora do Teto, Mas Caminha Para 3º Furo Consecutivo”, Poder 360, 29 Out.2021, Disponível em: https://www.poder360.com.br/economia/governo-reduz-gasto-fora-do-teto-mas-caminha-para-3o-furo-consecutivo/, Acessado em 8 Mai. 2023


bottom of page