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Política de preços da Petrobras: solução ou problema?


Tão indispensável para a economia moderna quanto o oxigênio para a vida de milhões de espécies, o petróleo é um dos produtos mais capilarizados do capitalismo moderno. Nessa perspectiva, o chamado ouro negro é utilizado em praticamente todas as cadeias globais de produção, seja para o transporte e geração de energia, seja para a fabricação de componentes de recursos como alimentos ou remédios. Portanto, o preço do barril de petróleo influencia diretamente nos preços e na inflação de todos os produtos e serviços no mundo.


Dessa forma, para fornecer combustíveis e demais derivados ao mercado interno, foi criada em 3 de outubro de 1953 pelo então presidente Getúlio Vargas, a Petróleo Brasileiro S. A., mais conhecida como Petrobras. Desde então, a estatal expandiu as suas operações, se tornando hoje a 2ª maior produtora de petróleo marítimo do mundo e a empresa mais valiosa da América Latina em 2022.

Nesse sentido, em decorrência dos significativos aumentos do preço da gasolina e do diesel - que acumulam altas de, respectivamente, 45% e 41% desde janeiro de 2022 - tem-se intensificado o debate acerca da companhia e de seus preços. Mas afinal, o que é a Política de Paridade Internacional (PPI) e quais as suas implicações e consequências para a Petrobras e o Brasil?


A adoção dessa política

Até o final da década de 90 e o início dos anos 2000, a política de preços da estatal era consideravelmente controlada, sendo incerto o cálculo do preço dos combustíveis. Ou seja, até então a definição dos seus custos dos era caracterizada pelo intervencionismo, cabendo ao Estado definir os valores e as margens de lucro, desde a extração até a venda nos postos. Com isso, a empresa sofria intervenções políticas na sua administração, as quais poderiam levar a prejuízos financeiros, que seriam cobertos por aportes do próprio Governo. Entretanto, com a aprovação da Lei do Petróleo em 2002, o país iniciou um processo de abertura no setor de petróleo e gás, o qual deu fim ao monopólio constitucional¹, permitindo a entrada de novos concorrentes em todas as etapas da cadeia de produção.


Esse, portanto, foi o cenário que definiu a doutrina geral seguida pelo país até o início da década de 2010, a qual não possuía estritamente uma paridade internacional, embora acompanhasse - de maneira suave - os preços globais. Assim, quando o barril de petróleo se apreciava no mercado externo, a Petrobras realizava ajustes positivos no preço, atingindo um equilíbrio de longo prazo.


Contudo, apesar de uma alta considerável do preço da commodity² no início da década de 2010 - provocado pelo aumento da demanda após a recuperação da Crise dos Subprimes³ -, a direção da empresa optou por não reajustar - ou realizar pequenos ajustes - o preço dos combustíveis para os consumidores. Dessa forma, em meio a um cenário de desaceleração econômica e calendário político no radar, a estatal sofreu interferências políticas, que visavam “congelar” os preços no Brasil, evitando insatisfações populares. Como resultado, a companhia passou a acumular prejuízos, tornando-se a empresa não financeira⁴ mais endividada do mundo em 2015.

Diante de uma conjuntura desafiadora, o então presidente da estatal, Pedro Parente (2016-2018), adotou uma nova diretriz: a Política de Paridade de Importação. Segundo ele, a proposta seria capaz de garantir o maior retorno possível aos acionistas, sem prejudicar a população, bem como facilitaria a atuação de importadores de diesel e gasolina, conferindo maior competitividade ao mercado. Em suma, os combustíveis passariam a ser vistos como uma commodity, ficando sujeitos a variações no mercado e nas cotações de moedas, sobretudo do dólar.


Como é a formação do preço dos combustíveis?


Atualmente, os preços dos combustíveis aos consumidores são determinados por 4 parcelas principais: custos da Petrobras, custos com a adição de etanol, impostos e custos com a distribuição e revenda nos postos.

Dessa forma, a parcela financeira pertencente à estatal é definida por dois fatores principais: os custos de produção - em paridade com o preço de importação - e a margem de lucro da empresa, definida pela direção. Portanto, os custos de produção da empresa estão relacionados à cotação do barril Brent⁵ no mercado internacional, e não à atividade operacional da empresa. Ou seja, é possível que a companhia tenha um custo real de extração do petróleo diferente - ou até inferior - aos valores internacionais, embora, no cálculo seja utilizado o preço médio no mercado estrangeiro.


Exemplificando a dinâmica, podemos supor que a Petrobras, após computar todos os seus custos com a extração, os gastos com refino - realizado em refinarias próprias - e as margens de lucro desejadas tenha um valor final de 45 dólares por barril. Ao mesmo tempo, supondo que um conjunto de petroleiras concorrentes, ao contabilizar todos os seus custos e margens de lucro, oferte o barril a 70 dólares em média. Diante desse cenário, embora o custo operacional da Petrobras seja de 45 dólares, a estatal irá ofertá-lo ao mercado por 70 dólares, mantendo paridade em relação à média internacional.


Portanto, parece um contrasenso a Petrobras ofertar o petróleo a um custo superior ao que a empresa poderia oferecer, certo? Para responder a essa questão é necessária uma informação crucial: a Petrobras é autossuficiente na extração de petróleo, mas não em seu refino, o que a torna incapaz de processar todo o volume de combustíveis demandado pelo mercado. Com isso, configura-se o principal argumento dado pelas autoridades em favor da adoção da Paridade Internacional de Preços.


Justificativas para a adoção da PPI


Em 2015, a Petrobras era a empresa não financeira mais endividada do mundo, com um passivo⁶ de aproximadamente 507 bilhões de reais - em cotações da época. Diante desse cenário de deterioração financeira, alguns principais fatores embasaram o conselho da companhia a realizar tal mudança na política de preços:


  • Máxima geração de receita

Iniciou-se a busca pela adoção de diretrizes que maximizassem a geração de valor para a própria corporação e os seus acionistas, pois assim seria possível iniciar um processo de desalavancagem da dívida⁷. Portanto, em paralelo à redução do seu passivo, a empresa buscou recompensar os seus acionistas com volumosos pagamentos de dividendos8. Dessa forma, em 2021, a firma distribuiu 72,7 bilhões de reais aos seus sócios - dentre os quais o principal é o governo, somando um valor equivalente a 33,2% do total distribuído pelas outras 227 empresas listadas na B3. Assim, os dividendos da Petrobras têm representado uma fonte de receita significativa para o Tesouro Nacional9, afinal, apenas no primeiro trimestre de 2022 foram destinados 24,6 bilhões de reais para os cofres da União.

Nessa perspectiva, outro argumento favorável dado ao PPI seria o aumento de competitividade no setor, à medida que os preços domésticos dos combustíveis estariam em paridade com os valores praticados nos mercados estrangeiros. Com isso, seria economicamente interessante e viável para que as importadoras de petróleo aumentassem a oferta no Brasil, o que elevaria a competição no setor.

  • Evitar novos prejuízos

O Brasil, em 2021, produziu aproximadamente 3 milhões de barris de petróleo por dia, dos quais 2,5 milhões são demandados para o consumo interno. Contudo, embora o país seja autossuficiente na produção de petróleo, ele ainda não apresenta uma capacidade de refino suficiente para suprir a demanda nacional. Por isso, caso o preço da Petrobras esteja significativamente defasado para menos em relação ao internacional, uma série de fenômenos econômicos podem ocorrer.


O primeiro deles seria que para a estatal brasileira seria mais vantajoso exportar, afinal, o preço praticado no exterior seria superior ao brasileiro. Dessa forma, caso a organização mantivesse as suas vendas para o Brasil, a companhia teria o seu potencial de geração de valor para os acionistas reduzido.


Uma segunda dinâmica decorrente da diferença de preços, seria o acúmulo de prejuízos para importar os combustíveis que são refinados fora do Brasil por falta de capacidade interna. Acerca disso, caso a Petrobras pratique preços internos significativamente inferiores aos dos mercados internacionais, os importadores perdem o incentivo para vender combustíveis para o Brasil, já que, seria mais lucrativo negociá-lo com compradores internacionais dispostos a pagar preços superiores aos praticados no país. Portanto, restariam duas opções para a petroleira: deixar o mercado interno desabastecido ou arcar com o prejuízo da importação, deteriorando a sua saúde financeira.


Críticas à Política de Paridade de Importação


Aumentos de preço nos combustíveis se apresentam como uma grande ameaça para a estabilidade macroeconômica do país, provocados pela capilaridade do petróleo e os seus derivados ao longo das cadeias produtivas. Nesse sentido, após a adoção da PPI, o preço da gasolina na bomba avançou de 3,73 reais em 2016 para impressionantes 7,19 reais em 2022, representando uma alta de 92% no período. Portanto, seja pela depreciação cambial, seja pelas consequências da invasão russa à Ucrânia, o fato é que os sucessivos aumentos nos combustíveis têm dado ainda mais fôlego à já persistente inflação brasileira, penalizando ainda mais o poder de compra dos brasileiros.

Além disso, outra crítica frequentemente atribuída à Política de Paridade Internacional é a alta volatilidade nos preços, o que dificulta a realização de cálculos econômicos e estimativas de retorno de investimentos. Toda essa imprevisibilidade pode dificultar o planejamento de empreendedores, o que, consequentemente, pode afugentar investimentos no Brasil.


O futuro do preço da gasolina


Atualmente, há uma série de fatores que definem o custo dos combustíveis. São levados em consideração aspectos cambiais, fretes, adição de outros compostos e, principalmente, a cotação do petróleo no mercado internacional. Portanto, diante de ameaças de desabastecimento, incertezas geopolíticas e macroeconômicas, é precipitado apontar com convicção o futuro dos combustíveis no país.


Glossário:


1- Monopólio Constitucional: É o cenário no qual o governo guarda para si o direito de exercer determinada atividade econômica.

2- Commodity: São produtos de origem primária, brutos ou pouco industrializados, que têm os seus preços negociados em escala global.

3- Crise do Subprimes: A Crise dos Subprime, também conhecida como Crise de 2008, foi um período de intensa recessão econômica causada pelo estouro da bolha imobiliária norte-americana.

4- Empresa não financeira: São as empresas que têm como principal objetivo ofertar bens e serviços não financeiros. Alguns exemplos de empresas financeiras seriam os bancos comerciais, companhias hipotecárias, gestoras de recursos, entre outros. Já as empresas não financeiras são as firmas de tecnologia, empresas de serviço, indústrias, entre outros.

5- Barril Brent: É o petróleo extraído do Mar do Norte, cuja cotação serve como referência para os mercados internacionais.

6- Passivo: São todas as despesas, dívidas e obrigações financeiras de uma empresa.

7- Desalavancagem da dívida: É o processo no qual a empresa reduz a sua dívida percentual em relação à alguma métrica, sendo a mais comum a receita. Portanto, uma empresa pode se desalavancar aumentando a receita ou reduzindo a dívida.

8- Dividendos: O pagamento de dividendos é uma forma de retornar aos acionistas parte dos lucros obtidos pela empresa num determinado período de tempo, geralmente um trimestre.

9- Tesouro Nacional: É órgão público responsável por ser o administrador/caixa do dinheiro arrecadado pelo governo. Ele também é responsável por emitir os títulos de dívida pública que serão ofertados no mercado.


Bibliografia:


Política de preços da Petrobras (PETR3;PETR4): entenda como funciona. Infomoney. Disponível em <<https://www.infomoney.com.br/mercados/politica-de-precos-da-petrobras-petr3petr4-entenda-como-funciona/>>. Acesso em 12/05/2022.

Sena, Victor; Como funciona a política de preços da Petrobras, alvo de críticas. Disponível em <<https://exame.com/negocios/como-funciona-a-politica-de-precos-da-petrobras-criticada-por-bolsonaro/>>. Acesso em 12/05/2022.

Elias, Juliana; Por que a Petrobras quase não tem concorrentes na produção de combustível. Disponível em <<https://www.cnnbrasil.com.br/business/por-que-a-petrobras-quase-nao-tem-concorrentes-na-producao-de-combustivel/>>. Acesso em 13/05/2022.

Alvarenga, Darlan; Petrobras em números: veja evolução do lucro, produção, dividendos, nº de funcionários e valor de mercado. Disponível em <<https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/03/31/petrobras-em-numeros-veja-evolucao-do-lucro-producao-dividendos-no-de-funcionarios-e-valor-de-mercado.ghtml>>. Acesso em 15/05/2022.

Welle, Deutsche; Como funciona a política de preços da Petrobras. Disponível em <<https://www.istoedinheiro.com.br/como-funciona-a-politica-de-precos-da-petrobras/>>

Carregosa, Laís; União vai receber R$ 31,5 bilhões em dividendos da Petrobras. Disponível em << https://www.poder360.com.br/economia/uniao-vai-receber-r-315-bilhoes-em-dividendos-da-petrobras/#:~:text=O%20montante%20faz%20parte%20da,R%24%2024%2C6%20bilh%C3%B5es.>>. Acesso em 25/05/2022.



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